sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

670. Medicina dentária e SNS

A licenciatura em Medicina Dentária existe em Portugal desde 1976. A sua duração era de seis anos, tal como a licenciatura em Medicina. Os três primeiros anos (ciclo básico) eram sobreponíveis aos três primeiros anos do curso de Medicina, sendo os três últimos (ciclo clínico) referentes ao estudo da patologia da cavidade oral e estruturas anexas. No entanto, nestes três últimos anos o doente não deixava de ser visto como um todo, sendo uma parte do plano curricular referente a manifestações sistémicas da patologia oral e vice-versa. Com este perfil curricular, o médico-dentista seria então um médico que sofreu um processo de diferenciação precoce dentro da medicina.
Os estatutos da Ordem dos Médicos Dentistas referem que o médico-dentista é "responsável pelo estudo, diagnóstico, prevenção e tratamento das doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas". Deste modo, a medicina dentária como profissão autónoma, a exemplo do que acontece com qualquer outra especialidade médica, pode aplicar terapêutica médico-cirúrgica, com autonomia de prescrição, direito de emissão de atestados médicos e de certidões de óbito e outras.
O contributo da medicina dentária para a saúde da população não se esgota no estrito campo da saúde oral, nem tão pouco no exercício como profissão liberal. O médico-dentista deverá atuar sempre como um importante agente de promoção integral da saúde. A importância de uma boca bem tratada, que não seja foco de infeção e/ou inflamação permitiria poupar anualmente milhões de euros no tratamento de doenças como o cancro, a diabetes, doenças renais e doenças cardiovasculares.
Deste modo assume importância crucial envolver ativamente médicos dentistas e outros profissionais que atuam no âmbito da saúde oral em equipas multidisciplinares e em atividades de prevenção e tratamento de todas as doenças. Seria um contributo inestimável na promoção da saúde das populações e no bem-estar dos doentes.
Com a evolução da ciência e arte médico-dentária, um grande desafio se coloca, neste início do século XXI: estar apto e qualificado para intervir em ambiente hospitalar e em qualquer instituição do SNS (centros de saúde, unidades de saúde familiar e outras). Aliás, podendo os médicos-dentistas atuar no domínio da clínica privada, com intervenções por vezes de alto risco em doentes medicamente comprometidos, não se compreende que nestes 40 anos a medicina dentária esteja praticamente excluída do SNS. Dando como exemplo a área hospitalar, os referidos profissionais poderiam atuar beneficiando do apoio de outras especialidades, em equipas multidisciplinares, com benefícios inegáveis para o SNS e para os doentes.
Parece que finalmente o poder político olhou com atenção para a importância da saúde oral, havendo sinais de uma vontade política de dar passos claros e inequívocos neste sentido. Se tal se verificar, estaremos perante uma decisão política histórica, talvez das mais importantes, logo a seguir à criação do SNS em 1979.
Bem-haja à Associação Portuguesa de Medicina Dentária Hospitalar (APMDH) que, com o empenho dos seus dirigentes, amigos e associados clamam nesse sentido há mais de uma década. Aliás, o nascimento da APMDH veio institucionalizar uma luta dos seus fundadores iniciada na década anterior. Bem-haja ao Núcleo Regional Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro NRN - LPCC e aos seus dirigentes que, juntando sinergias com a APMDH e respetivo corpo clínico de voluntários, já efetuaram mais de 6500 consultas gratuitas de diagnóstico precoce de cancro oral. Bem-haja ao atual Governo pela manifestação de vontade de colocar a saúde oral e os médicos-dentistas no lugar que lhe compete no âmbito da saúde geral e no âmbito das ciências médicas, respetivamente.
Para terminar uma palavra de esperança: que a implementação seja efetuada de forma adequada após serem ouvidas as instituições que têm provas dadas neste domínio...

João Leite Moreira - Médico Dentista, Coordenador da Unidade de Estomatologia e Medicina Dentária da Liga Portuguesa Contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte e Associação Portuguesa de Medicina Dentária Hospitalar